Cópia local para uso exclusivo em WebQuest
Extraída de http://www.divertire.com.br/artigos/anamelea1.htm

Artigos selecionados de informática e educação
ÍNDICE

Tecnologia e ensino: céticos ou otimistas?
Por uma visão pró-ativa

Anamelea de C. P. Luiz dos Santos

Em 1988, Fernando José de Almeida 1 afirmava que a utilização da informática nas escolas era tema bastante polêmico. Passados dez anos, a situação é praticamente quase a mesma. Ainda não se superou totalmente uma dualidade extremada: usar ou não usar, aderir ou não aderir à informática nas escolas. Mas, a questão não é discutir se a tecnologia será aceita ou não, mas como ela será integrada à formação dos estudantes e dos professores. O computador já se insinua em toda parte, em nossa sociedade, e a escola não tem porque evitar que seja, ela também, usuária dessa tecnologia. Tem-se, na verdade, que definir quais os objetivos de sua inserção na escola.

Não se pretende fazer aqui uma defesa da inevitabilidade da tecnologia. Ela é resultado da ação do ser humano e, como tal, não é antecipadamente boa ou má. Seus efeitos dependem, sempre, do modo como o ser histórico, investido de uma certa posição que lhe confere sua classe sócio-econômica, usa a tecnologia como instrumento de disseminação de dados e de informações. Entende-se, dessa forma, que ela deve ser estendida a todas as classes sociais e que a principal forma de isso ser viabilizado, de modo verdadeiramente democrático, é através da escola.

Entretanto uma questão que ainda preocupa grande parte dos educadores é se os recursos informatizados seriam mais um desses modismos, a exemplo do que ocorreu com outros instrumentos, como a televisão. Esta, a certa altura da década de 70, foi motivo de grandes investimentos por parte de algumas escolas particulares, servindo, todavia, mais de propaganda para a empresa do que de suporte pedagógico efetivo para o ensino. Além disso, o alcance dessa tecnologia estava restrito, como afirmado acima, a pequeno número de estabelecimentos particulares, que possuíam disponibilidade financeira para fazer frente aos altos custos da instalação de equipamentos e do treinamento dos professores. 2

Na década de 90, mesmo com a disseminação do programa TV-Escola pelo governo federal, ainda não se conseguiu superar totalmente essa aparência de modismo e introduzir a televisão de modo mais conseqüente dentro do ensino público. São testemunhas disso os problemas atualmente associados à formação dos professores para fazer frente às exigências tecnológicas para um uso consistente desse instrumento.

Essas mesmas dificuldades têm sido observadas quanto ao uso do computador nas escolas brasileiras. Portanto, se se deseja que a informática seja mais do que um simples modismo, é preciso também, segundo Sandholtz et alii (1997) 3 , que se façam estudos mais aprofundados sobre a formação dos professores, pois estes são agentes importantes na implementação de mudanças na dinâmica pedagógica.

Ora, a base necessária para que essa ação ocorra passa por uma superação da dicotomia entre visão cética e visão otimista  4 , atingindo, então, uma posição mais atuante e crítica quanto à utilização dos recursos informatizados. É importante ressaltar que, sob o rótulo de céticos, Valente (1993) lista aqueles que exibem argumentos quanto à carência material do nosso sistema educacional e que são totalmente contrários a um ingresso meramente tecnicista do computador na escola, mencionando apenas marginalmente aqueles que assumem uma posição de indiferença 5 — mais preocupante, segundo nossa perspectiva - diante da informatização das escolas. A indiferença é uma das atitudes mais perniciosas, pois elimina qualquer possibilidade de ação e de diálogo, na medida em que se nega ao enfrentamento do debate, deixando que um laissez-faire tome conta da situação.

Já sob o rótulo dos otimistas, encontram-se todos aqueles que de certa forma acabam por abstrair problemas bem concretos da cotidianidade de nossas escolas, achando que um voluntarismo puro e simples pode resolver todas as situações que se apresentem desfavoráveis a tal empreendimento. Acreditam na potencialidade da tecnologia como resposta às necessidades do sistema educacional, sem, contudo, perceber a importância de uma maior compreensão dos efeitos e das condições de contorno do uso intensivo desses recursos.

Cabe, portanto, a busca de uma síntese entre as visões apresentadas, considerando as tecnologias como "criações humanas, carregadas de ideologias". 6 Pode-se classificar essa visão sintética aqui proposta como "pró-ativa". Ela se caracteriza sobretudo pela existência de uma postura crítica diante da tecnologia, procurando compreender em que contexto histórico, sob que condições econômicas e políticas, ocorre sua absorção pelo sistema educacional, sem contudo deixar de incorporá-la às práticas de ensino/aprendizagem, proporcionando com isso uma maior democratização da sua utilização.

O professor: principal agente da visão pró-ativa

Os tecnófilos com uma mentalidade reformista historicamente sempre criticaram os professores. Eles culparam os professores que não utilizavam a tecnologia por não acompanharem a introdução do filme, do rádio, e da televisão nas salas de aula antes e desde a Segunda Guerra Mundial. O mesmo vale para os computadores  7  .

Tradicionalmente há uma certa tendência de culpabilizar os professores pela maneira como as tecnologias são assimiladas ou recusadas. Mas por que isso acontece? Talvez, porque se esqueçam de que os professores têm suas próprias concepções sobre como ocorre o aprendizado e quais são as melhores formas para organizar suas atividades de ensino.

Dessa forma, em vez de se fazer qualquer acusação, há que se revisitar suas formações, saber sob que condições elas ocorrem e, acima de tudo, saber sobre que bases da filosofia da educação elas se assentam. Nunca é demais ressaltar o quanto o professor acaba trazendo para sua prática do que ele recebeu em sua formação. Outros fatores passíveis de análise dizem respeito às condições concretas e objetivas em que o professor exerce sua prática, o que implicaria uma análise do ambiente social e econômico em que ele está inserido. Todavia, no recorte que aqui se propõe, busca-se primordialmente uma reflexão acerca da formação do professor. Mesmo reconhecendo a importância desses fatores, o que se pretende é discutir as circunstâncias e as possibilidades dessa formação, para que ele saiba, então, adaptar justamente suas reflexões prévias a essas condições concretas e objetivas acima citadas.

Assim, para que se tenha professores preparados para integrar tais recursos a suas práticas pedagógicas, é fundamental estabelecer quando e como intervir em seu processo de formação, com vistas a essa absorção positiva e crítica. É importante observar que essa formação pode-se dar tanto inicialmente quanto de forma continuada. Mas, em ambos os casos, não deve haver uma apologia cega dos instrumentos tecnológicos, o que resultaria numa formação que tenderia a perenizar essa visão superficial desses recursos, encarados aí sem uma verdadeira base teórica e sem atentar, portanto, para as verdadeiras questões envolvidas.

No que se refere, assim, à formação, é essencial compreendê-la dentro de uma trajetória que leve o educador de uma situação inicial de usuário dos recursos tecnológicos para a de professor que os integre a seu trabalho. Aquele que soube passar pelas diferentes etapas de aprendizado, adquirindo habilidades mínimas no manuseio desses instrumentos, pode ter condições de associá-los corretamente aos objetivos de suas atividades docentes. É claro que isso não é suficiente. Essa associação dos instrumentos tecnológicos à prática educativa pode ser feita de modo superficial. Como diz Moran, "as tecnologias (...) não mudam necessariamente a relação pedagógica (...) as tecnologias não substituem o professor, mas modificam algumas de suas funções".8  Em suma, é com uma visão bem fundamentada que se pode transformar um mero usuário de instrumentos tecnológicos em profissionais de ensino que saibam usar efetivamente as tecnologias em proveito do educando e de seu processo de aprendizagem.

No caso, propõe-se o desenvolvimento dessa visão que se chamou acima pró-ativa. Ela significa a adoção de procedimentos pedagógicos que acolham e multipliquem os efeitos e as ações dos recursos tecnológicos. Ressalte-se, contudo, como já mencionado no início deste texto, que a tecnologia não é neutra, que seus efeitos dependerão, em larga medida, do alcance a ela destinada pelo professor dentro de suas atividades docentes. Deve-se concordar, assim, com Habermas e afirmar que "a ciência e a técnica podem se transformar em ideologia, é preciso avançar no sentido de que as criações humanas estejam sob o domínio dos homens e, principalmente, que sejam colocadas a serviço de todos os homens". 9

Notas:

  1. ALMEIDA, Fernando J. de - Educação e Informática. Os computadores na escola. São Paulo: Cortez Editora, 1988.
  2. Neste texto, vamos tratar mais adiante das diferenças entre treinamento, capacitação, reciclagem e formação para o uso dos recursos informatizados. No entanto, aqui estamos usando esse termo por ser dessa forma que era entendida, à época, a apropriação dos recursos tecnológicos por parte do professor.
  3. "As tecnologias são descritas como ferramentas essenciais do ofício do magistério no entanto, as pesquisas têm se concentrado quase que exclusivamente no impacto da tecnologia sobre os alunos, com pouca investigação das implicações para os professores." (p. 20)
  4. VALENTE, J. A. "Por que o computador na Educação?" in VALENTE, J. A. (org.) Computadores e Conhecimento: repensando a educação. Campinas: Editora da Unicamp, 1993. (p.25-27)
  5. Cf. BIANCHETTI, Lucídio. "Dilemas do professor frente ao avanço da informática na escola", in Boletim Técnico do Senac, vol. 23, nº 2, maio/agosto-1997, p. 9.
  6. Ibid., id.
  7. SANDHOLTZ et alii op.cit., p.10
  8. Apud SOFFNER, Rosemary. As Novas Tecnologias de Comunicação e a Educação de Educadores, http://www.eca.usp.br/eca/prof/moran/rosemary.htm.
  9. Apud Bianchetti, op. cit., p. 9.

Anamelea de C. P. Luiz dos Santos é Mestre em Educação pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: anamelea@mbox1.ufsc.br


Subir para o topo da página
Voltar ao índice de artigos